quinta-feira, 10 de março de 2016

Plano Diretor: Vitória da Cidade de São Luís! Audiências públicas irregulares realizadas pela prefeitura para alterar Plano Diretor são canceladas.

Processo deve ser reiniciado, segundo recomendações do Ministério Público
Reunião do Conselho da Cidade,
em que as audiências foram canceladas
A reunião do Conselho da Cidade ocorrida nesta quarta-feira, 9 de março, acabou por reconhecer todas as denúncias que o Movimento de Defesa da Ilha e demais organizações da sociedade vêm fazendo desde o ano passado em relação ao conjunto de audiências públicas realizado pela Prefeitura de São Luís para atender empresários da construção civil e da indústria e alterar sensivelmente as legislações urbanísticas da capital maranhense.
Disfarçado de alterações no Plano Diretor, as poucas audiências convocadas na verdade não buscavam envolver a população nas discussões, mas apenas cumprir um protocolo e encaminhar mudanças que beneficiam diretamente os empresários, e que não atendem aos anseios da população por temas como mobilidade urbana, saneamento básico e proteção ambiental, por exemplo, e que refletem diretamente na qualidade de vida na cidade. Tudo isso foi deixado de fora, inclusive a divulgação a contento dessas audiências, o que ocasionou baixíssima participação popular, comprometendo assim todo o processo, como reafirmado durante a reunião do Conselho da Cidade promovida neste dia 9.
Na reunião anterior, ocorrida no último dia 02 de fevereiro, parte do Conselho ligada aos empresários apontava para não apenas a manutenção das irregularidades já denunciadas, mas o aprofundamento de um processo totalmente irregular, propondo que as alterações fossem encaminhadas para a Câmara Municipal mesmo sem as audiências estarem concluídas. A justificativa utilizada era que a cidade precisa se desenvolver e a demora atrapalharia isso. Um posicionamento bastante questionável para conselheiros, que deveriam primar pela participação popular e pela defesa da cidade que dizem representar, e não por interesses de grupos específicos e cujo poder de influência junto aos centros de decisão são, infelizmente, bem maiores que o da maioria da população. Por que pedir pressa num processo sabidamente irregular? Por que não sanar os problemas e caminhar em direção ao que a cidade quer e precisa, ampliando e aprofundando as discussões?
Ponderações semelhantes a essas foram feitas pela Promotoria Estadual do Meio Ambiente durante a reunião desta quarta-feira, 9, que acabou por implodir o processo, irregular desde o início (como já há muito denunciado, o Instituto da Cidade não teria competência para convocar as audiências públicas, usurpando assim poderes que são de competência do Conselho da Cidade, segundo Plano Diretor atualmente em vigor).
O promotor Fernando Barreto, que estava presente, iniciou a reunião chamando atenção, de forma bastante polida, porém incisiva, para os questionamentos que de há muito vêm sendo feitos sobre as audiências, como a falta de publicidade (exigência clara do Estatuto das Cidades, lei federal que rege essas discussões), que acarreta em baixa participação popular (e acaba por não cumprir com o objetivo proposto numa audiência pública). A falta de participação popular ocasionada por audiências não divulgadas já havia contribuído para cancelar a audiência da área do Bairro de Fátima, Monte Castelo e adjacências, prevista para ser feita no Parque do Bom Menino ano passado. O promotor lembrou que outras audiências já realizadas apontavam para a repetição desse mesmo problema sem que a Prefeitura se dispusesse a saná-lo.
O promotor também apontou que o processo não pode seguir sem que antes sejam esgotadas todas as possibilidades de diálogo com a população sobre as alterações propostas. Algo que até o momento não ocorreu, como denunciam todo esse tempo os movimentos populares. Para tentar avançar nesse sentido, medidas foram tomadas, como ação judicial questionando as audiências, e também a busca da intermediação do próprio Ministério Público – tanto o Estadual quanto o Federal, com reuniões já realizadas na Sede do MPF no Maranhão, que resultou na edição de uma Nota Técnica que deveria ser observada pela Prefeitura. Ao seu turno, o poder público seguiu sem dar a devida visibilidade à população sobre o assunto.
O representante do Ministério Público também lembrou aos membros do Conselho, que investidos nessa função, eles respondem como agentes públicos, devendo sujeitar-se a observar os princípios que devem reger esse tipo de atuação. Dessa forma, qualquer ação que legitime ou aponte para irregularidades, submete-os a responder inclusive por crimes de improbidade administrativa, que é o que poderia acontecer no caso do envio da proposta para o Legislativo sem que sejam observadas as determinações legais.
Outro ponto importante e que diz respeito à forma como foram pensadas as alterações – e que também foram alvo de denúncias dos movimentos populares organizados – foi a discussão simultânea da revisão de pontos da lei que estabelece o Plano Diretor em conjunto com a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo do Município de São Luís. O promotor foi enfático ao destacar que essas discussões não podem ser feitas conjuntamente, mas deve-se primeiro discutir de modo efetivo o Plano Diretor (em 2016 completam-se 10 anos de aprovação da última revisão do Plano e, segundo o Estatuto da Cidade, é o prazo final para uma nova e ampla revisão do mesmo) e somente depois da aprovação e vigência da lei é que se pode partir para a revisão da lei de zoneamento, já que esta última deve ser derivada dos princípios que devem estar contidos no Plano.

Da forma como estavam sendo feitas, as alterações atingiam mais o zoneamento que o Plano Diretor, utilizado apenas para justificar as alterações pretendidas pela Prefeitura e que atendiam os empresários (diminuição extrema da zona rural prejudicando comunidades – a exemplo do que vem se tentando impor ao Cajueiro, que luta contra a construção de um porto privado e contra seu consequente desaparecimento – e alteração do padrão de construção de prédios, possibilitando que grandes áreas fossem disponibilizadas para as grandes empresas de construção civil, que poderiam passar a construir torres gigantescas nas ditas áreas nobres, como a orla, e conjuntos populares em áreas afastadas dos equipamentos urbanos, muitos em áreas de preservação ambiental).
Diante de todo o quadro apresentado pelo Ministério Público, não teve como ser mantida a farsa. O próprio secretário de Urbanismo declarou que nada mais restava a não ser acatar as orientações, determinando que as audiências já realizadas fossem canceladas e o processo, rediscutido.
Está prevista nova reunião do Conselho da Cidade para o dia 22 de março, quando deve ser discutida a forma como deve ser retomado esse processo, que deverá proceder, primeira e exclusivamente, a revisão do Plano Diretor. Todo cidadão pode participar da reunião do Conselho, tendo direito a se expressar nesse fórum.
Durante a reunião do dia 22 deve ser dada resposta ao requerimento que solicita que seja feito audiência pública para discutir as ameaças ao bairro do Cajueiro pela empresa WTorre, que pretende instalar um grande porto privado no local, comprometendo a existência de mais uma comunidade tradicional de São Luís.
A LUTA SEGUE!
Por tudo o que aconteceu até aqui, fica claro que somente com a participação popular se poderá garantir a participação da cidade efetivamente nessas discussões. O Movimento de Defesa da Ilha volta a se reunir neste sábado, dia 12, a partir das 10h, no Sindicato dos Bancários, para analisar esse quadro e como manter a pressão social no atendimento as demandas efetivas da cidade. A reunião é aberta para quem deseje tomar parte.
Mobilização social “derrubou” audiência irregular que a prefeitura pretendia realizar no Parque do Bom Menino ano passado. Na ocasião, mais de 70 organizações de todo o país contribuíram para denunciar o “golpe”: a prefeitura fora orientada a aguarda manifestação do MPF e do MPE para dar continuidade ou não ao processo, mas resolveu seguir com ele mesmo assim.
As audiências, que a prefeitura dizia ser sobre plano diretor, na verdade tinham objetivo de alterar o zoneamento, dando mais áreas para indústrias e construtoras e ameaçando causar centenas de despejos de moradores em São Luís. O único material que se recebia nas audiências era uma pequena cartilha que falava de modo muito limitado sobre zoneamento

Depoimentos de críticos ao conluio entre poder público e empresários manifestados durante reunião na Procuradoria da República do Maranhão quando da discussão sobre as alterações pretendidas na legislação

  • “O primeiro passo deveria ser ouvir as pessoas e suas demandas e necessidades. A prefeitura só apresenta mapas, e a gente não vê os sujeitos sociais numa escala cartográfica. Isso é uma falha metodológica de uma instituição pública que deveria preservar os direitos sociais, e isso se verifica na composição da equipe, que não é multidisciplinar” (Professor Josoaldo, da Universidade Estadual do Maranhão)

  • “A história se repete. Querem fazer da zona rural de São Luís um novo Piquiá de Baixo, em Açailândia, em que as pessoas ficaram imprensadas por indústrias e tiveram que sair de seus espaços. Se essa proposta passar, a qualidade de vida e mesmo a permanência em São Luís vai ficar inviável. Vai ser só indústria pesada e porto. Quanto de preservação ambiental tem nessa proposta de plano? ” (Bartolomeu Mendonça, professor do COLUN)

  • “A quantidade de conflitos já está posta. A zona rural já responde pelo maior número de despejos, e essa é a marca dessa proposta para o plano diretor” (Saulo Costa, assessor da Comissão Pastoral da Terra, CPT/MA)

  • “Se se mantém essa proposta de exclusão, os desgastes chegam a um ponto incontornável para a cidade. É isso que a gente quer? Esse é o caminho que está sendo tomado por essa proposta. Temos que repensar” (Kezia Duarte, UEMA)

  • “Tudo foi conduzido de forma arbitrária, autoritária e sem divulgação adequada, impedindo que a sociedade civil de fato participasse, porque a articulação da audiência não mobiliza para tornar o processo democrático, reafirmando um processo histórico de desrespeito. Nada disso está sendo colocado e respeitado, nem os laços das comunidades com seus territórios. Não há efetiva oportunidade de discussão, e quem é mais diretamente atingido não é ouvido. Há uma prática de desrespeito, de arbitrariedade e perversidade, ao abafar questões como saneamento, empobrecimento gerado pelos deslocamentos que esse projeto pode causar. Não se tem a sociedade civil debatendo aglomerados subnormais, saneamento, água, esgoto, qualidade de vida. Tudo isso é estranhamente contraditório. Um debate que se resume a gabarito como o feito nas audiências. É só gabarito.  Há a necessidade de se rever o quer tem de irregular e colocar um elemento importante do Plano Diretor, que é discutir o que tem de errado, e não é feito. Nada disso está sendo colocado. O que se propõe é o que já se vive hoje, com a instituição de zonas mistas, e é um engodo: ou é zona rural ou não é!” (Isanda, professora universitária)

  • “Quem estabeleceu critérios para chamar por exemplo rios intermitentes de efêmeros, como consta nessa proposta, e que pode levar a aterrá-los? Se hoje a gente já está aterrando rios perenes! O Maracanã está com 50% de seus rios aterrados! Daqui a 50 anos, nesse ritmo, não se tem mais nada.  A Bacia do Maracanã é o principal abastecedor do rio Bacanga; se lá acabar, a salinização do Bacanga será incontornável” (Hamilton, professor universitário, membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente)

  • “A proposta dessas alterações, aumentando zona industrial desse jeito, torna São Luís incompatível para a habitação. Hoje já temos por exemplo a termelétrica estourando todos os limites de poluição que se previa. Se insistirem nessa loucura, só haverá uma opção: desocupem a ilha! E isso não é apenas para os trabalhadores da zona portuária ou moradores da zona rural, mas para todos. Se a opção prioritária é esse projeto industrial, então tem que se arranjar um lugar para deslocar toda a população de São Luís, pois a ilha se tornará inviável” (Guilherme Zagalo, advogado)

  • “Muito bom! Excelente notícia. Essa é uma demonstração do que podemos fazer enquanto movimento organizado. Lembro que desde os sábados no prédio de Arquitetura e Urbanismo até aqui um bom caminho foi percorrido por moradores, militantes de movimentos sociais, pesquisadores, professores, advogados, artistas e estudantes. Cada participação nas audiências de julho e agosto do ano passado nos dava a certeza do amadorismo do INCID, que tem o arquiteto Marcelo do Espírito Santo a frente há cerca de 12 anos. Cada posicionamento de moradores das regiões discutidas nas fatiadas audiências, cada dado trazido por pesquisadores, cada infringência de normas jurídicas apontada pelos advogados nos empoderavam da certeza de que uma cidade não se discute com apenas meia dúzia de ''especialistas'' e de empresários: uma cidade deve ser discutida coletivamente, pois é assim que ela é vivida e produzida. Temos agora a chance de mostrar o quanto acumulamos nas reuniões, nas discussões, nos estudos e sobretudo nos contatos com os ludovicenses. Essa decisão também é um alerta aos poderes municipal, estadual e federal, que querem destruir a beleza e a vida dos moradores de Cajueiro. Assim como o Movimento Reage São Luís e o CAECIP barraram a instalação do polo siderúrgico na ilha há mais de 10 anos, o Movimento em Defesa da Ilha derrotará a instalação do Porto nas terras de Cajueiro, pois nossos ancestrais, nossa cultura, nossa biodiversidade, nossas atividades e nós ludovicenses valemos mais do que a riqueza que será escoada por esse porto. Agora mais do que nunca devemos dizer em alto e bom som, CAJUEIRO RESISTE! ” (Hugo Rodrigues, professor da rede púbica, sobre o resultado na reunião do Conselho da Cidade, com o cancelamento das audiências irregulares).
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